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No chão da nossa infância

Foto do escritor: Gustavo Tamagno MartinsGustavo Tamagno Martins

ILUSTRAÇÃO: Pascal Campion

Durante o retorno de uma viagem com meu primo, que é pai de duas crianças, conversamos sobre como é complexo educar os filhos. Muito mais do que ensinar aqueles “ser humaninhos” e servir como um espelho, é necessário dar a atenção merecida, cultivar boas sementes no coração deles e principalmente não gerar traumas. Uma lição de casa e tanto. Coincidentemente ou não, dias depois, ao entrevistar um senhor muito sábio e experiente, o questionei sobre qual seria o conselho que ele daria para o menino que ele mesmo foi, caso o encontrasse. Ele olhou nos meus olhos e disse: “diria para ele aproveitar bem a infância e brincar mais”. Aí entramos naquele dilema de que quando somos crianças queremos logo nos tornarmos grandes - por causa da sensação libertadora de poder escolher - e depois de adultos temos o desejo de voltar a ser criança - justamente porque percebemos que existem consequências a partir de cada escolha.


O chão da nossa infância é tão mágico e, ao mesmo tempo, crucial para o adulto que nos tornamos. Acho linda a constatação do Manoel de Barros, nosso poeta das miudezas, de que o quintal que a gente brincou é maior do que toda a cidade, por guardar e transmitir toda a carga de sentimentos, emoções e boas lembranças que temos com ele. E é aí que mora a grandeza. “O tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas”, diz o poeta. Pena que descobrimos isso só depois de grandes.


Recorro a outro grande nome da literatura brasileira. Lya Luft afirma que “a infância é um chão que a gente pisa a vida inteira”. Se percebermos essa conclusão é muito profunda e verdadeira. A nossa fase de criança molda toda a nossa trajetória, desde o que aprendemos (de bom ou nem tão bom assim) até o que sentimos (e aqui entram também carências e traumas). Por isso, criar filhos significa muito mais do que colocar comida na mesa e ter um teto para abrigá-los. Responsabilidade materna e paterna também diz respeito a criar um ambiente familiar tranquilo e que valorize o desenvolvimento deles com equilíbrio saudável. Muito mais do que comprar um brinquedo ou um tablet, é necessário investir em momentos de qualidade com os filhos, para que percebam a importância de amar, ouvir e pedir perdão.


Os pais não precisam ser vistos apenas como bravos sargentos prontos a darem ordens, mas como exemplos de inspiração, que cultivam o “eu te amo” como forma de demonstrar sentimentos e como força que impulsiona que voem, mas que se sintam seguros para voltar sempre que necessário. A missão complexa que eu e meu primo comentamos é justamente essa: de preparar um terreno fértil para que a criança cresça com bases sólidas, encare os desafios e frutifique. Podemos juntos cuidar das nossas crianças, como pequenas plantinhas que crescerão com segurança e se tornarão adultos saudáveis e equilibrados. A infância é um chão que pisamos por toda a vida.

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