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Ninguém vê os bastidores

Foto do escritor: Gustavo Tamagno MartinsGustavo Tamagno Martins

ILUSTRAÇÃO: Pascal Campion

“Ah, se as pessoas soubessem por tudo que já passei, elas não me tratariam tão mal como tratam”, desabafou uma amiga durante a nossa conversa sobre a dor sentida durante o processo de dar a volta por cima de todos os obstáculos e frustrações (mais uma vez). Ah, se as pessoas percebessem que cada um de nós está enfrentando muitas tempestades. Ah, se os outros conseguissem ver o que acontece nos bastidores… talvez parassem de julgar tanto ou mesmo não achariam que temos “tanta sorte assim” só porque apresentamos um sorriso quando as cortinas se abrem e as luzes se acendem.


Ninguém está ali quando o nosso mundo desaba. Ninguém está vendo quando o nosso coração chove há dias e nosso travesseiro serve de lençol freático. Ninguém está presente nas noites de insônia ou após acordarmos assustados com os pesadelos. Ninguém segura a nossa mão para dar confiança antes da entrevista de emprego ou nos dá um colo após a tristeza de um amor não correspondido. Ninguém observa os nossos sacrifícios e as nossas renúncias. Ninguém enxerga as nossas perdas e as nossas cicatrizes. Ninguém percebe para além dos stories que postamos nas redes sociais. Mas muitos se acham no direito de palpitar sobre a nossa vida. De jogar indiretas sobre o que devemos ou não fazer. De olhar torto para as nossas decisões.


O que as pessoas sabem sobre nós, afinal? Pouquíssima coisa. Apenas o que a gente permite mostrar quando estamos no palco da vida, aqui e acolá. “Quem sabe a quentura da panela é a colher que mexe”, trazia uma citação que li nessa semana. Somente nós sabemos as batalhas que enfrentamos todos os dias. Só nós sabemos onde o calo aperta no sapato. Só nós mesmos conhecemos a nossa história por completo e entendemos quais são os nossos limites. Só nós sabemos como lidar com nossos traumas, que nos visitam como fantasmas internos.


Ninguém sabe - e nem precisa saber - do que rola nos bastidores, mas se soubessem, pelo menos um bocado, pensariam duas vezes antes de atirar pedras e alegar que os seus problemas são maiores. É nos bastidores que mais sofremos e, consequentemente, que mais aprendemos. É por trás das câmeras que nós descobrimos quem são os verdadeiros amigos e o quão fortes somos. É fora dos holofotes que a gente aprende na marra que não precisa mendigar atenção e reciprocidade de ninguém. É distante do olhar da plateia que a gente compreende que nada precisa ser forçado. Tudo precisa fluir e soar natural assim como um artista interpretando seu personagem com as falas decoradas do roteiro. Talvez exista muita gente que daria tudo para ter o que temos, mas não aguentaria um dia do que precisamos suportar. Muitas pessoas gostariam de ser o que nos tornamos, mas jamais calçariam os nossos sapatos e percorreriam o caminho que trilhamos. A nossa jornada é única e todo mundo merece aplausos por muito além daquilo que apresentou no palco da vida. Ninguém viu o que rolou nos bastidores.

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