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Coluna de Sexta - 19/05/2023: Herança de uma saudosa escritora

Foto do escritor: Gustavo Tamagno MartinsGustavo Tamagno Martins


Durante o trajeto para uma reunião de trabalho, em uma das ruas mais movimentadas do centro da cidade, pude notar que um casarão tradicional, que eu tanto apreciava, está em fase de demolição. Não faz muito tempo que descobri quem residiu lá. Foi por uma matéria no jornal que eu soube que aquela foi a moradia de uma saudosa escritora que conheci durante uma Feira do Livro. Em um dia chuvoso, percorrendo as bancas na praça Dante, uma adorável senhora começou a puxar papo comigo. Papo vai, papo vem, ela contou que era escritora e que tinha diversos livros publicados. Começou a divagar pelo enredo de cada obra sua e fiquei fascinado. Quase todas elas eram destinadas ao público infantojuvenil. Garanti o autógrafo em uma obra que aquela professora aposentada escreveu inspirada em suas viagens. Nos cruzamos por outras vezes e, anos depois, até tive o privilégio de tê-la na sessão de autógrafos do meu primeiro livro. Não recordo quando foi a última vez que nos encontramos antes da sua partida, há cerca de dois anos.


Filha de um ex-prefeito, advogado e grande impulsionador da cidade vizinha, sempre foi incentivadora da cultura regional. Tanto que ela doou o acervo do pai - que reunia documentos, fotos, coleções e dezenas de títulos literários raros - alguns anos antes de partir. Quando vi aquele casarão, construído na metade da década de 1940, sendo destruído, me deu um aperto no coração. Quantas histórias aquela família viveu naquele terreno. Quantas memórias foram vivenciadas ali naquele corredor com um farto parreiral, que muitas vezes quase escondia a mansão.


Os pais e os irmãos já haviam partido antes. E ao recordar que a saudosa escritora não teve filhos, me deu um outro aperto no peito. Talvez até seja esse um dos motivos pelo qual foi derrubado o casarão. Mas depois me aliviei. Não teve filhos para deixar alguma herança, mas teve muitos amigos e leitores, com os quais ela compartilhou sua sabedoria, experiência e imaginação. Eu fui uma dessas pessoas. Não era filho dela, mas também recebi a herança, todos esses aprendizados que ela deixou. Seu legado e suas obras. A casa ficou e já veio abaixo. Mas a saudosa escritora se imortalizou em cada história que escreveu. Ela segue viva sempre que alguém lembra dela ou abre um livro seu. Ela se tornou eterna por cada edição da Feira do Livro que, mesmo com seu jeito discreto, abordar as pessoas para conversar. E cativá-las. Deixou a sua marca nos corações dos que ficaram. E não tem herança melhor que ensinamentos e boas lembranças.

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