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Coluna de Sexta - 11/08/2023: Além da aparência

Foto do escritor: Gustavo Tamagno MartinsGustavo Tamagno Martins

Ilustração: Pascal Campion

Era final da manhã de um sábado. Minha irmã tocava “Trem-Bala” enquanto afinava o ukulele que compramos de presente para o nosso afilhado. De dentro do carro e com a música de fundo ficamos observando a cena que acontecia ao nosso lado, em plena calçada de uma das ruas mais movimentadas da cidade, enquanto esperávamos nossa mãe retornar de uma loja. Um morador de rua chegou, se sentou em um degrau e começou a comer a marmita com as mãos. Comia com tanta vontade que provou que aquela era a sua primeira refeição do dia. Se alimentava com tamanha tranquilidade que parecia estar em uma sala de jantar sozinho ou em um restaurante luxuoso. As pessoas que passam para cima e para baixo não o intimidavam. Um cãozinho da casa ao lado também assistia a cena.


O que não imaginávamos era que aquele homem iria repartir a sua vianda com o cachorrinho que estava sentado do lado de dentro da cerca. O conteúdo do pote de isopor, que já não era muito, logo acabou, entre mordidas do morador de rua e do cãozinho da casa ao lado. Satisfeito por ter comido e ainda por ter dividido com o bichinho, levantou e seguiu adiante - não sabemos para onde. Calados por alguns instantes, torcemos para que aquela não fosse a única refeição naquele dia - e nos demais.


— Muitas vezes, as pessoas que menos têm condições são as que mais sabem dividir — minha irmã quebrou o silêncio. E aquele acontecimento - comum a tantos olhos que passam despercebidos - pautou o nosso retorno para casa. Pequenos momentos, grandes reflexões.


Não é regra, óbvio, mas tem tanta gente com condições financeiras estáveis e contas recheadas no banco que jamais precisaram “suar a camisa” ou “se esforçar” para conquistar o que tanto queriam. Talvez seja por isso que quem menos tem condições valoriza cada instante e reconhece o quanto é importante repartir, para que ninguém fique sem. Mas como há casos e casos, isso só nos comprova que nossa conta bancária não nos define. Ao mesmo tempo que conheço pessoas ricas que são bem humildes, conheço muita gente que é pobre e arrogante. Não é sobre o que temos, é sobre o que somos. O outro Vinícius - não o de Moraes, escritor do Instagram mesmo - destacou que pouco importa o quanto você ganha. É sobre o que você faria de graça. É sobre o que somos e quem somos, principalmente enquanto as pessoas não olham ou não nos pagam para sermos assim. Nós somos o que carregamos no coração. E isso sim pode definir se somos ricos ou pobres - de espírito, de conteúdo e de caráter. O resto é apenas aparência. Somos muito mais do que meros trabalhadores esperando pelo salário do mês e corpinhos doentes lutando para ficar sarado e saudável. Somos além da aparência.

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