Entrevista realizada em setembro de 2019, para a disciplina de Técnicas de Reportagem, Entrevista e Pesquisa.
Homenagem à dona Idiati, uma mulher de coração enorme, que partiu hoje.
Que descanse em paz!
Seja em Veneza, Bogotá, Roma ou Amsterdã. Pombos convivem em harmonia e são o cartão-postal de tantas cidades históricas mundo afora. O município gaúcho de Caxias do Sul foge à regra. As aves na praça central têm sido um dos assuntos mais polêmicos nos últimos tempos.
Há anos, a presença dos animais na praça tem gerado conflitos entre a Prefeitura, através da Secretaria do Meio Ambiente, e defensores dos animais. Em 2013, foi instaurada uma lei municipal que prevê advertência e multa para as pessoas que vierem a alimentar as aves.
Além da Sociedade Amigos dos Animais (Soama), outra grande defensora dos pombos e figura bem conhecida pelos caxienses e por quem circula pela praça Dante Alighieri, dona Idiati Macan Mondin, de 85 anos, comprova que placa nenhuma a impede de alimentar as aves.
Duas vezes por dia, às 09h e às 17h, ela sai de sua casa, localizada a duas quadras da praça, com seu carrinho de feira cheio de milho. Há mais de 17 anos, a idosa transporta cerca de 25 quilos do grão, diariamente. Faça chuva ou faça sol. Por sua peculiaridade em fazer uma ação inusitada em prol dos animais que simbolizam a paz, Idiati acredita ser impossível que as demais pessoas tenham a ousadia de fazer o mesmo.
Gustavo: Por qual motivo a senhora alimenta as pombas?
Idiati: Há anos atrás, eu tive câncer no estômago, e eu falei para Deus que, se ele me curasse e eu não precisasse me operar, eu não deixaria as pombinhas passarem fome. Nunca mais tive a doença e agora tenho que pagar a promessa. O dia em que eu morrer, sinto muito, elas vão morrer também. Ninguém vai fazer o que eu faço, essa é a verdade.
Como a senhora compra as comidas?
Gasto toda a minha aposentadoria com elas. Não me sobra nada. Se minha filha ou minha neta não me dar um rancho de comida, eu passo fome. Não é de graça que eu dou comida. Eu tenho que pagar o homem (o fornecedor do milho). Uma vez por semana, ele me traz os sacos. Criei elas, tinham 10 pombas quando comecei. Elas foram dando cria e hoje tem mais de duas mil.
Foi veiculado pelo Jornal Pioneiro, em 03 de dezembro de 2013, que a senhora foi multada por alimentar os pombos aqui na praça. É verdade essa informação?
Não, nunca fui. É mentira. Eles colocaram a placa perto do banheiro. Cheguei a processar a Prefeitura. Tem todas essas placas mas não dou bola. As pessoas passam e me dizem que é proibido. Eu sei pelo Senado Federal que não pode existir lei para proibir dar comida para os animais. Fui candidata a vereadora, inclusive: a vereadora das pombinhas.
Além das placas, a Prefeitura propôs a remoção do excesso dos pombos da praça. Um dos motivos alegados é de que há o risco da população contrair doenças. O que a senhora acha disso?
Há tantos anos, elas vão por cima de mim. Lá em casa tenho quatro pombas porque elas estão com a patinha machucada. Coloco em uma caixinha de papelão e elas andam por toda a casa. Minha neta é médica e perguntei para ela se pomba tem doença. Ela me disse que tudo tem bactéria: gato, rato, cachorro, até nossas fezes têm bactérias. Se estiver de pé no chão e pisar nas fezes recém feitas, pode dar uma alergia ou coceira, mas matar, de jeito nenhum. Eu já estaria morta porque convivo no meio delas, com elas voando em cima de mim.
Então, quer dizer que alimentar os pombos já faz parte de sua rotina?
Sim, o dia em que não veio, eu fico doente. Eu tenho o carrinho (de feira), que já me roubaram duas vezes, encho de milho a sacola (mostrando) e venho para a praça. Pode chover canivete, eu estou de sombrinha, mas não deixo de vim. As pessoas me perguntam se nem nos domingos e feriados eu não paro. Para mim é um dia qualquer. Moro sozinha, sou viúva, minha neta casou e minha filha faleceu de câncer. Eu adotei as pombas como minhas filhas. Não faço para minhas filhas o que faço por elas. O dia que eu morrer, sinto muito, elas vão morrer também. Ninguém vai fazer o que eu faço.
OUÇA O MINIPODCAST
No dia da entrevista, na Praça Dante Alighieri, não deixei de fazer um registro com essa personalidade da cidade, a Dona Idiati das pombinhas.
Comments